quinta-feira, agosto 29, 2013

Da Bacalhoa e das Torres.

A Quinta da Bacalhôa foi transformada por Joe Berardo, seu proprietário, numa famosa marca de vinhos. Não deixa de ser uma quinta de edificação renascença única no país, agradável de visitar. O "senhor Comendador", citando o guia com as sobrancelhas mais espessas que eu já conheci, comprou a quinta a uma casal americano. Não foi referido que tem tido problemas com o IPPAR nas obras de restauro que tem feito na sua quinta, sendo ela Monumento Nacional. Entrámos.
A quinta é um museu para a colecção de Joe Berardo (que na realidade chama-se José) de escultura antiga, cerâmica grega e azulejos romanos, islâmicos, barrocos. E muitas coisas mais. O comendador é um coleccionador compulsivo, diz a Wikipédia. Um friso de azulejos que não cabia na horizontal está exposto numa zona de transição entre duas salas na vertical. Duas loggias dão o carácter italianizante à quinta, e as abóbadas que fecham os corpos da casa um aspecto mourisco. No passeio que nos leva até um lago há um muro onde se localizavam vários medalhões do escultor italiano Andrea della Robbia, séc. XVI. Um S. Leonardo de della Robbia é uma das dez obras de referência do nosso MN de Arte Antiga, a par do Bosch, de Nuno Gonçalves, da custódia de Belém... Bom, os medalhões estavam muito maltratados. Joe Berardo encomendou uma dúzia de medalhões à fábrica de louça das Caldas e vá de guardar em reserva o único medalhão que ainda era minimamente observável, encaixotado. Não admira que o IPPAR esteja zangado. Uma ruína do séc. XVI não se compara ao brilho deste século. Não fiquei para a prova dos vinhos pois os meus amigos provadores do Expresso habitualmente consideram os vinhos do Berardo caros para o que valem. Ora toma...
Na área de Azeitão outra quinta é muito conhecida e chama-se quinta das Torres. Aberto que estava o portão entrei e estacionei. Uma senhora simpatiquíssima disse-me ter eu entrado em propriedade privada, o hotel que havia tinha fechado, agora só organizavam eventos, pedi para mostrar à Cata o lago. Neste, em frente à decadente casa, no meio uma "torre", não mais do que um coberto mágico, abobadado em gomos - que se poderia usar para uma leitura, descanso, um almoço no exterior. A ele só se pode aceder de barco. Afinal não é só ao inferno que se chega de barco mas também ao céu... O resto do dia foi espreitar a pousada de Palmela e comer os caracóis de que já se falou...

Como a dieta não se transmite de pais para filhos, vejamos o segundo dia de férias.

A pedido da minha filha ela começou a seu jantar do dia dois com um pires de caracóis.
Abomino caracóis. Consigo dizer a única vez que os comi. Foi no Hotel da Lapa, ao lado de um professor meu da Faculdade e após ter recebido um prémio de investigação. Sim é verdade, eu então investigava. Em 1996, para ser mais exacto. O dinheiro recebido ajudou a pagar estágio em país vizinho. E sem esse estágio eu hoje não teria filha, voilà. No Hotel da Lapa não se comem caracóis mas sim "escargots". E, discutindo com o saudoso prof. Coimbra as pinturas do tecto - Columbano Bordalo Pinheiro, consegui engolir, para nunca mais. Pois a minha filha despachou na baixa de Setúbal mais de meio pires de caracóis sem dizer um ai. Extraía-os e mostrava-mos, a mula, antes de os engolir inteiros. Parece-se comigo.
O dia tinha nascido radioso. Estando no sopé da Arrábida, vai de a visitar. De carro, claro. As pequenas praias estavam preenchidas, o estacionamento na berma complicado, o Portinho da Arrábida foi a aventura automobilística do costume - sabes que desces, que não estacionas, que talvez consigas voltar a subir. Deu porém para reparar na limpidez das águas, na rocha, no manto verde. Sim, a Arrábida tem magia. Que ficará para melhor descoberta noutra visita. Subimos, descemos, fomos ter a Azeitão, Vila Nogueira de. Antes de "cheirar" a Bacalhôa fomos agradavelmente surpreendidos por um restaurante tailandês, de nome "Éden". Comemos muito bem. Da Bacalhôa já vou contar.

Férias, como quem desce em direcção ao sul.

Em Portugal, férias que são férias dirigem-se para o Sul ou para Leste (leia-se Aldeia). E assim fiz: Sul (leia-se sopé da Arrábida, península de Setúbal).
Não me canso de agradecer as nossas germânicas auto-estradas. Não sabem mas o record mundial de velocidade em estrada "circulável", "pública", vigora desde os anos trinta e foi estabelecido por Rudolf Caracciola, o maior piloto alemão de sempre (sim...), numa manhã fria de 1938 e numa auto-estrada alemã. O km protocolar foi percorrido acima de 430 km/h num Mercedes de Grand Prix modificado. Rosemeyer, a estrela da Auto-Union (antecessora da Audi), horas depois tentou recuperar o record na mesma auto-estrada e despistou-se, morrendo, claro.
Bom, as minhas velocidades não foram nada disso, sendo eu motorista de uma jovem dama de quase quinze. Lanchámos numa E.S. decorada com motivos desportivos onde um cartaz das primeiras olimpíadas modernas. Decidi discursar sobre a pobre Grécia, hoje tão mal amada e a iniciativa deles de reiniciar os Jogos Olímpicos... "Ah, tinham parado?", pergunta-me. Ao contrário do que ela pensa o sentido de humor da adolescente de que falo ainda não está completamente apurado, mas vai lá chegar.
Setúbal é Alcácer do Sal mas maior, Lisboa é Setúbal mas maior. Reduzindo explico. Para a casa onde fomos ficar sobe-se à direita da estrada que leva à pousada do forte de S.Filipe. Uma piscina de brincar espreitava Tróia ao fundo, iluminado de vermelho o Design Hotel, impressão digital um pouco discordante numa baía perfeita, o fim do Sado, a serra, os meandros de Tróia e da Comporta. Apenas circulavam os ferrys.
Descemos a jantar - mal - na Av. Luisa Todi. Contei à minha filha duas anedotas do Bocage. Voltámos a subir, já era noite. É impossível dirigir o caminho de um filho. E se possível, não é bom sinal, para além de em si não ser bom. A minha filha sabe umas coisas de astronomia. No terraço de um bungalow onde por uma noite ficaríamos, estivemos a descobrir estrelas e constelações, a luz de Setúbal não demasiado próxima. E começaram as estrelas cadentes. Uma duas, quatro, teremos visto mais de dez, linhas mensageiras, dirigidas a ninguém. Cada um de nós recebe-as como se nossas. Eu assim fiz. Foi uma festa e por causa desta festa dormiu-se bem. Pensei ainda porém um pouco, antes de adormecer, na razão de, quarenta e nove anos cumpridos, nunca antes ter visto assim uma chuva de estrelas.

segunda-feira, agosto 12, 2013

As listas.

Devia ter seguido Matemática e não Medicina. Ou não. 
Sempre gostei de números. E de contas. E de gráficos. De pegar no mundo e transferi-lo para um rectângulo quadriculado onde as várias peças se encaixam ordenadas por abcissas e... ordenadas. A palavra chave: ordenar. Sim, tenho as minhas obsessões. Concedo, às vezes sou compulsivo.
E... ordenar o quê? Este mundo não tem ordem, não tem. Vejam a actual situação política portuguesa.
Antigamente o Verão vinha acompanhado por uma ausência de política refrescante. Chamavam-lhe a "Silly Season". Não sei porquê.
Este Verão em que estamos, incerto de temperaturas e desfechos, tem tido a maior quantidade de patetices políticas de que há memória no pós-74. Como se um barco, com se ratos que, não sei... 
Querem mais "Silly Season" do que esta?
Bom, adiante. Então... as listas.

Isto das listas começou com a triste ideia de Expresso de me indispor o estômago veraneante publicando, aos bochechos de 25 em 25, as cem figuras que "fizeram" o século XX português. 75 já estão cá fora. Cecília Supico Pinto e Rolão Preto mas não Jorge de Sena? Foda-se! Fica isto para resolver em Setembro mas, Expresso, doeu!

Adoro ciclismo. Acho que a tríade de heróis desportivos portugueses do século XX foi Eusébio, Agostinho e Rosa Mota. Com o extra de Joaquim Agostinho - ainda há quem se lembre que ele era o "homem das Berjenjas"? - ter mais histórias para contar que os outros dois juntos. Portugal e o ciclismo no fim uniram-se para o matar. Mas... que viagem, amigo!
E as listas, perguntarão? Já vai.
O ciclismo vive ensombrado - definitivamente? - pelas suspeitas de doping. Lembro só que a antiga clássica Porto-Lisboa - proibida ao fim de noventa anos por se considerar demasiado longa... - começou a ser cumprida há mais de cem anos com tempos de mais de dez horas em cima de uma bicicleta! O record está em pouco mais de oito. Oito horas para trezentos e trinta quilómetros! Um ciclista de topo pode fazer mais de dez mil quilómetros em competição num ano. O doping é uma deslealdade, um embuste, deve ser perseguido e castigado. Mas são eles que pagam, são eles os ciclistas que são definitivamente humilhados, castigados, ostracizados. Ou que morrem. Ricco, um prodígio italiano, aqui há uns dez anos, tentou fazer uma transfusão em casa. Acabou no hospital em choque. Em 1967 Tom Simpson morreu a subir o Ventoux: anfetaminas e álcool. Muito mais recentemente cá em Portugal morreu um rapaz de seu nome Bruno Neves. Há uma corrida hoje em dia com o seu nome. Agostinho foi várias vezes apanhado. Anquetil, nos anos cinquenta recusava-se a ser controlado. Dizia que a água de Vichy não ganhava etapas. Anfetaminas, corticóides, eritropoetina, autotransfusões. hormona de crescimento. Longe vai o tempo - anos quarenta, cinquenta, sessenta - em que os ciclistas levavam umas pastilhas no bolso para chegar lá acima. Onde acabavam desfalecidos a pedir oxigénio. Muitos no fim da carreira profissional precisavam de tratamento médico para desmame da medicação. Alguns suicidaram-se. Comparado com isto comprar acções a um euro e vende-las a dois e meio porque estamos a falar de um preço de amigo é, para mim, crime de pelotão de fuzilamento. Vejo ciclistas a sofrer monte acima rumo à glória e à minha admiração e são para mim como que amigos.

As listas? Um dia explico.
Vou para fora. Com licença.